segunda-feira, 10 de maio de 2021

O MANGÁ DO JASPION.

 

 

MINHAS IMPRESSÕES SOBRE O MANGÁ DO JASPION.

 

Eu estava muito ansioso para finalmente chegar o dia do lançamento do mangá do Fantástico  Jaspion, o herói japonês que marcou minha infância, com a retomada do interesse novamente por nós brasileiros depois que ele teve sua exibição pela Band no período da Pandemia da COVID-19. Não via  a hora de finalmente poder comprar um material impresso desse herói que há décadas não era produzido. E finalmente consegui, graças a compra virtual pelo site da Amazon como meu presente de Natal e chegou bem antes da na segunda-feira, 21 de Dezembro de 2020.  Eu lembro muito vagamente de quando eu era criança que meu pai comprou para mim numa banca de jornal, isso lá pelo final dos anos 1980 e começo dos anos 1990, de uma revista em quadrinhos do Jaspion junto com o Esquadrão Relâmpago Changeman publicado pela EBAL, que se não me falhe a memória era  todo colorido com traços bem cartunescos dos personagens,  numa edição  em  estilo formatinho, seguindo o padrão das publicações mensais  de Turma da Mônica então ainda na Editora Globo, atualmente se encontra na Panini e dos gibis da Marvel e DC quando eram publicados pela Abril, hoje encontram-se também na Panini.




Minha grande expectativa já que o mangá em questão  O Regresso do Jaspion, este é fruto de uma produção original brasileira pela editora JBC, mostrando a ação do heróis retornando a Terra 30 anos após destruir Satan Goss e vem retornando aqui para impedir que ele seja ressuscitado pela Bruxa Galáctica Kilmaza para trazer o reinado infernal da mais pura maldade numa Terra muito diferente da que ele tinha conhecido antes, ou seja, os eventos posteriores ao seriado.





Minha relação com Jaspion é algo difícil de explicar, do mesmo jeito como é difícil explicar o porquê de nós brasileiros  temos uma forte sintonia, identificação ou mesmo ligação  com ele. Que simboliza a  cultura de outro pais, localizado do outro lado do oceano que é o Japão.   Uma das coisas que posso deduzir de maneira muito superficial pode estar no fato de que o herói como muitos na cultura pop, carrega uma característica que remete a fórmula campbeliana da Jornada do Herói, que é aonde norteia vários segmentos de histórias.

A fórmula da Jornada do Herói desenvolvido pelo estudioso e mitólogista  americano Joseph Campbell(1904-1987) se baseia na divisão de três atos, onde o primeiro ato começa do herói saindo do seu  Mundo Comum e inicia sua jornada  do Chamado à Aventura e finalizando com a Travessia do Primeiro Limiar. Já o segundo ato tem início com o Ventre da Baleia e vai até a recompensa e chega ao terceiro ato com o caminho de volta e o retorno do elixir e volta para o mundo comum.





Jaspion segue bem  essa fórmula, quando a gente lembra que ele começa vivendo no Planeta de Edin que o alerta sobre o perigo de Satan Goss, e ele começa sua jornada solitária vagando pelo espaço de planeta em planeta onde o Satan Goss quer destruir e criar o seu Império dos Monstros. Até resolver definir pelo Planeta Terra. E aqui ao longo de todo o seu percurso vai se deparar com novos perigos, mais desafiadores e encontrar novas alianças.






Uma dessas características que a jornada do herói defini é o fato dele sempre carregar o arquétipo do órfão. Uma coisa que em todos os heróis famosos da cultura pop tem dessa característica, desde os populares  super-heróis dos quadrinhos da DC como o Batmam, Superman, Aquaman,  ou  mesmo da Marvel como o Homem-Aranha, Homem de Ferro. Também nas  animações Disney como o Alladdin, Rei Leão, Tarzan, nos animes como o  Goku de Dragon Ball, Seyia, Shiryu, Hyoga, Shun e Ikki em  Cavaleiro do Zodíaco,  O Ogro Shrek, Luke Skywalker na franquia clássica de Star Wars, Frodo no Senhor dos Anéis  e  o bruxinho Harry Potter da saga literária da britânica J.K.Rowling.   

Isso ocorre, porque de todos heróis terem esta característica como órfãos a representação dá uma maior carga dramática motivacional para que o público possa  se comover com suas dores, e ele possa conquistar sua vitória, ainda que ok, o fato deles serem representados como órfãos não romantiza o drama deles  crescerem sem uma boa base familiar e viverem propícios a seguirem pelo mau caminho, muito  ao contrário da afirmação da famosa frase do filosofo suíço-francês Jean-Jacques Rosseau(1712-1778) de que “O ser humano é bom por natureza, a sociedade o corrompe”,  ainda assim a carga dramática motivacional gera mais empatia por eles.





E Jaspion vai bem por este segmento, cresceu sem conhecer os pais que morreram quando era ainda bebê e foi adotado e criado  por um  velho sábio profeta Edin. Que investigava uma profecia da Bíblia Galáctica. Que comentava do grande mal no universo. Representado por um  gigante ser demoníaco, trajado de uma armadura preta metálica inspirada em Darth Vader que dava um tom bem sombrio,  fruto das energias negativas do Universo chamado de Satan Goss.

Outro  fator  e este acredito eu que seja o mais óbvio para explicar o porquê do herói ser tão querido por nós brasileiros, mais do que os japoneses,  seja o fato da série apresentar muitas referências ligadas ao cristianismo. Visto que maior  parte da população brasileira é católica. Um contraste em relação com a  população japonesa cujos praticantes do catolicismo são  menor, maior parte deles são xintoístas. Isto pode ser sentido pelo próprio Jaspion simbolizar bastante o arquétipo do salvador vindo do céu, destinado a proteger a Terra do mal e ao qual ele foi destinado pelo Senhor Todo Poderoso.

A figura messiânica do profeta Edin também carrega esta simbologia cristã ocidental. Do mesmo modo quando ele fala da profecia da  Bíblia Galáctica, se referindo ao Velho e o Novo Testamento Cristão. O Pássaro Dourado que em alguns episódios  da série agiu como o Deux Ex-Machina do Jaspion ser despertado pelas cinco crianças irradiadas pela luz de Nosso Senhor  e Jaspion ser o escolhido para acabar com o  Satan Goss e seu exército de asseclas comandado pelo seu filho MacGaren também tem essa referência cristã ao capiroto e seu exército  da religião cristã  ocidental e ao Apocalipse.

Podemos bem observar  como Jaspion ao travar uma batalha entre o bem e o mal, sendo representado por ser demoníaco gigante,  que ali temos muito carregado de  uma referência bíblica  a história do Rei Davi equivalente a Jaspion enfrentando o Gigante Golias equivalente a Satan Goss.

Do mesmo jeito que a trama trabalhou bem as camadas de evolução do personagem. Que na primeira metade da série agia muito abobalhado e imaturo, sendo até grosseiro com a androide ginoide Anri.  A partir da segunda metade, passa a ter um perfil mais sério e mais focado na sua missão. Na sua jornada de defender a Terra de ser dominada pelo império demoníaco de Satan Goss para criar aqui o seu  Império dos Monstros.

Avaliando tecnicamente com um outro olhar após dar uma revisitada na série  ao passar nas manhãs de domingo na Band durante o  ano de 2020, eu antes já tinha revisitado a série quando adquiri há uns dez uns lotes de DVDs da série lançados pela Focus Filmes em 2009.   O Fantástico Jaspion ( Kyoujuu Tokusou Juspion, Japão, 1985-1986) pode não ser  considerado um  grande exemplo de obra-prima televisiva  com roteiro magnífico e bem escrito, chegando ao  patamar de figurar como uma grande  obra de arte primorosa e reflexiva, apresentando até  alguns furos de roteiro, como o fato de Jaspion sendo detetive dá umas mancadas de não perceber pequenas pontas soltas ou mesmo outras inverossimilhanças na série como ele demorar a perceber que Kanoko e Kenta eram órfãos de mãe quando Nambara os encarregou de cuidar deles enquanto ia investigar o Pássaro Dourado,  ou mesmo Jaspion ser apresentado a Nambara como professor, sendo que ele era fotógrafo e em nenhum momento da série é mostrado ele sequer lecionando numa sala de aula ou mesmo Satan Goss começar depois de Kilza aparecer dentre  outros. Visto  ter sido  concebido  na época,  década de 1980, período que o Japão ainda vivia na Era Showa com o intuito unicamente de vender brinquedos.

 

Aos olhos de hoje pode parecer muito esquisito ver umas produções  dessas capengas, toscas, sem sofisticação,  com uns efeitos especais práticos um tanto quanto rudimentares, primários e já bastante datados. Que num grau de comparação com as atuais séries de tokusatsu, principalmente as da franquia super sentai adaptada para Power Rangers, as produções tem se mostrado mais caprichadas nos efeitos especiais.  Principalmente pela concepção bastante extravagante dos monstros de borrachas, que mesmo parecendo horrorosas, pelo menos criava uma movimentação bem convincente e orgânica e bastante medonha, me dava medo ver os gigantes monstros de borracha, juntando   aos figurinos muito bregas dos vilões, com um nível de puro mau gosto kitsch. Ainda mais nos decotes bem provocantemente sensuais das vilãs. O que pode ser explicado pelo tipo de estética caracteristicamente japonês inspirado no conceito artístico do tradicional teatro kabuki.

Onde crianças como eu e hoje adultos ainda  o glorificam, o mitificam, o santificam. De certo modo, ok, Jaspion pode estar longe de ser considerado o melhor exemplo de grande produção primorosa, mas pelo menos carregava um mote de história ainda que batido, mas que era  muito fascinante e  empolgante de acompanhar e  com ótimas mensagens atemporais, como na situação que ocorreu no episódio 09, A História de uma Árvore, onde a Árvore de Cedro que Satan Goss transformou em monstro solta um pólen que faz a população de Tóquio inteira espirrar e todos andam pelas ruas com a máscara de proteção. O que tem ocorrido bastante frequente nesse momento em que o perigo do vírus da COVID-19 pelo mundo todo, algo que já era uma realidade muito comum aos japoneses em situações desse tipo. Principalmente se a gente for lembrar de outros históricos casos de vírus que atingiram muitos países do continente asiático que ficam próximos ao Japão, como a Gripe Aviária, a Gripe Suina por exemplo.

Já concluída  minha leitura no caprichado trabalho do mangá  de capa dura produzido pela JBC, que contaram com roteiro original do Fábio Yabu e com desenhos do Michel Borges com aprovação da Toei Company e da Sato Company.  E posso garantir é excelente história, que respeita muito o universo e a essência  mitológica do herói. Onde os diálogos mantiveram algumas coisas como os nomes dos golpes alterados pela dublagem clássica dos anos 1980 produzida pelo extinto paulista da Álamo.  Fora o material extra que trouxe algumas ates conceituais para o mangá, e os depoimentos de algumas pessoas que tiveram sua história envolvida com Jaspion. Como o ator  Hiroshi Watari que representou o Boomerman na série, a atriz Kyomi Tsukada que fez a Anri, o cantor Akira Kushida que cantou o tema do Daileon na série. Carlos Takeshi que fez a voz do Jaspion dentre outros que tiveram sua história envolvida com ele como Toshihiko Egashira que trouxe Jaspion para o Brasil na década de 1980, por exemplo.

Um roteiro incrível, bem fechadinho, com uma ótima qualidade de traço que em alguns momentos aparece bastante horrendo e pode provocar sustos, mas é fantástico de todo modo. Num mote  em que quando Jaspion retorna a Terra sabendo da volta a ameaça de Satan Goss ele terá como grandes aliados Boomerman, John Tiger, Nambara e Aigaman. Com algumas referências e easter eggs bem interessantes e trazendo uma abordagem interessante com algumas atualizações com a humanidade refletindo o atual momento do sentimento polarizado de ódio dentre outros.

Confesso que ao ler e reler o mangá, tanto as cenas épicas de batalhas quanto os diálogos mexeram muito com minha memória auditiva ao imaginar nestes momentos sendo tocadas as músicas incidentais compostas por Chumei Watanabe, a reprodução da abertura da série com a música cantada pelo saudoso Ai Takano(1951-2006).

A cena do Daileon cantada por Akira Kushida, ou mesmo, os diálogos dos personagens com as vozes do casting  de dubladores da década de 1980, como o Jaspion sendo dublado pelo Carlos Takeshi, que na série foi representado pelo Seik Kurosaki, que as vezes assinava como Hikaru Kurosaki. Takeshi que atualmente não trabalha mais em dublagem, há muito tempo vem se dedicando mais aos trabalhos em TV, como novelas e durante muito tempo apresentou o canal de Televendas Shoptime. Do mesmo que fiquei imaginando na minha cabeça ao ler o mangá os diálogos da Anri sendo dublada ou pela Denise Simonetto que dublou a personagem do episódio 01 ao 16 e que a partir do 17 em diante foi dublada pela Cecilia Lemes que na série foi representada pela Kyomi Tsukada. Esta segunda  que ainda permanece no ramo da dublagem, enquanto que a primeira pelo que suponho deve ter se aposentado?

Do mesmo jeito foi em relação a imaginar os diálogos do Boomerman, representado na série pelo Hiroshi Watari,  no mangá  na voz do saudoso Carlos Laranjeira(1956-1993). O MaCGaren representado na série por Junich Haruta,  na voz do também  saudoso Ricardo Medrado cujo paradeiro pelo que era informado nos tempos dos fóruns das antigas comunidades de dublagem do Orkut era desconhecido até se confirmar que ele havia falecido em 2002, que fez a segunda voz do personagem a partir do episódio 17 em diante que quando ele aparece no 04 ao 16 era dublado pelo saudoso Francisco Borges(1934-2008) que se alternava com narrador ao lado do Benjamin Filho, cujo paradeiro atual é desconhecido. Assim como fiquei imaginando o saudoso Líbero Miguel(1932-1989) fazendo a voz do Ikki representado na série por Toshimischi Takahashi  e dos Satan Goss nos diálogos do mangá. O Professor Nambara no mangá  sendo falando pelo Armando Tiraboschi que na série foi representado pelo célebre cantor de abertura de tokusatsu Isao Sasaki, este que que do castin de vozes da série dublada nos 1980 pela Álamo que ainda continua ativo,  o Aigaman sendo falando pelo Gilberto Barolli como na série, este que também continua ativo no ramo como a Cecilia Lemes e o Armando Tiraboschi. A Kilmaza sendo dublada pela Neuza Maria Faro como na série, e duas dubladoras que partiram em 2020, que no caso foram  Neuza Azevedo que dublou a Purima na série, que foi representada por Misa Nirei,  já se encontrava afastada da dublagem desde 2010 por causa  do Alzheimer e Nair Silva que fazia Goryu na série representada por Misa Nirei que foi uma das vítimas dessa desgraça da COVID-19 e por fim também fiquei imaginando a voz do saudoso Borges de Barros(1920-2007) que fez a voz do Edin na série que foi representado pelo também saudoso Noburo Nakaya(1929-2006), dublando o personagem que aparece rapidamente no mangá numa cena onde Jaspion se encontra entre a vida e a morte.

Por essas e outras sua leitura vale a pena.